Injúria Renal Aguda

A injúria renal aguda (IRA) é definida por uma perda súbita da função renal. A incidência de IRA aumentou nas últimas décadas. Em países de baixa e média renda, infecções e choque hipovolêmico são as causas predominantes de IRA. Em países de alta renda, a IRA ocorre principalmente em pacientes idosos que estão hospitalizados e está relacionada à sepse (infecção generalizada), medicamentos (anti-inflamatórios) ou procedimentos invasivos. A IRA é diagnosticada com base na história clínica do paciente e no aumento dos níveis de uréia e creatinina séricas e redução no volume urinário que normalmente não duram mais que 7 dias. Os pacientes diagnosticados com IRA muitas vezes são submetidos a diversas trajetórias clínicas, como recuperação precoce ou tardia, recaídas e até mesmo uma potencial transição de IRA para a doença renal crônica (DRC). Embora estudos clínicos recentes tenham demonstrado uma forte associação entre IRA e progressão para DRC, nossa compreensão da complexa relação entre IRA e DRC ainda está evoluindo. Para abordar essa falta de compreensão, a ideia de doença renal aguda (DRA) foi recentemente proposta. DRA representa uma nova perspectiva para identificar um período de maior vulnerabilidade após a IRA, durante o qual um paciente poderia testemunhar um declínio substancial na taxa de filtração glomerular, levando à transição de DRC. Obter informações sobre esta transição permitirá o desenvolvimento de abordagens mais eficazes para lidar com as repercussões desses problemas de saúde (1). Recentemente, estudo pré-clínico desenvolvido na USP/SP mostrou que em fase tardia de IRA induzida pela gentamicina, houve persistência de processo inflamatório no interstício renal e fibrose, o que pode explicar a transição para doença renal crônica (2). Ayusso L. L. e cols., em 2024 demostraram em estudo pré-clínico na USP/SP que extrato de chá verde protegeu contra a nefrotoxicidade induzida pela gentamicina, provavelmente devido ao bloqueio direto da cascata inflamatória, que pode ter ocorrido independentemente de seu efeito antioxidante (3). O grande espectro de IRA implica diversos mecanismos fisiopatológicos. O manejo da IRA em ambientes de cuidados intensivos é desafiador, incluindo o controle adequado do volume, o manejo de medicamentos nefrotóxicos, o momento e o tipo de suporte renal. Como a IRA pode ser letal, a terapia de reposição renal (hemodiálise) é frequentemente necessária.  A IRA tem um prognóstico ruim em pacientes gravemente enfermos. As consequências a longo prazo da IRA e DRA incluem DRC e morbidade cardiovascular.  Portanto, aqueles indivíduos vítimas de IRA por qualquer etiologia e que foram hospitalizados quer seja em enfermarias e/ou UTI, devem ser acompanhados após terem tido alta hospitalar para prevenção de DRC. Sendo assim, prevenção e detecção precoce de IRA são essenciais para um melhor desfecho (4,5,6). 

Epidemiologia da Injúria Renal Aguda (IRA)

         A IRA trata-se de uma condição bastante frequente no dia a dia médico. A incidência mundial de pacientes hospitalizados com IRA varia entre 5 e 7%, além de cerca de 30% dentre aqueles admitidos em UTI. Vale ressaltarmos que a mortalidade de IRA é altíssima, chegando a 90% em populações mais suscetíveis, como idosos, hipertensos e diabéticos. Aqueles que sobrevivem a IRA têm maior risco para o desenvolvimento posterior de DRC.

Etiologia e fisiopatologia da Injúria Renal Aguda

          A IRA pode ser resultado de uma série de motivos como por exemplo nos casos de desidratação por qualquer motivo, distúrbios circulatórios (IRA pré-renal), uso de medicações tóxicas aos rins como é o caso de anti-inflamatórios não esteroidais (diclofenaco, nimesulida, outros) e contrastes iodados. Temos outras etiologias como em casos graves de infecção generalizada e isquemia renal, onde pacientes portadores dessas condições geralmente estão em unidade de terapia intensiva (UTI). Finalmente a IRA pode ser causada por obstrução de vias coletoras urinárias como nos casos de doenças da próstata (hiperplasia benigna ou câncer de próstata), dentre outras.

Portanto a IRA tem três classificações a saber:

  • Injúria pré-renal (60-70%);
  • Injúria renal intrínseca (25-40%);
  • Injúria renal pós-renal (5-10%)

          Por ser a mais frequente e de maior probabilidade de reversão, abordaremos apenas a IRA pré-renal a seguir: 
Injúria pré-renal

          Consiste na etiologia mais frequente dentre as três IRAs. Essa lesão é acompanhada por uma hipoperfusão renal com pressão arterial sistólica (PAS < 80 mmHg), havendo integridade do parênquima renal. Ou seja, consiste em um problema hemodinâmico e não no néfron (unidade funcional do rim). Cada rim tem 1 milhão de néfrons. Sendo assim, suas manifestações clínicas podem ser revertidas caso o fluxo renal seja restaurado. Essa hipoperfusão renal, quer seja por hipovolemia ou hipotensão arterial sistêmica, consiste no principal mecanismo fisiopatológico na IRA pré-renal, mas isso não é universal em todos os casos. Pacientes idosos, com patologias vasculo-renais, diabéticos e hipertensos, por exemplo, podem apresentar hipofluxo renal antes de sua PAS atingir 80 mmHg. Portanto, para que o quadro de IRA pré-renal se estabeleça, o paciente deve passar por situações nas quais, eventualmente, haja redução do fluxo sanguíneo para os rins. Dessa forma, as quatro grandes causas dessa lesão renal são:

  • Depleção absoluta do fluido corporal: Conhecida também como uma redução do volume circulante efetivo, é a causa mais comum dessa injúria. Pode ser causada por hemorragia externa ou interna (choque hemorrágico em caso mais extremos), diarreia, vômitos, fístula digestiva, poliúria, sudorese intensa, perda para o terceiro espaço (ex.: ascite) e uso de diuréticos (furosemida pex.).
  • Vasoconstrição renal: Ocorre em situações como sepse (lesão do endotélio, liberação de mediadores inflamatórios e geração de espécies oxidativas causam tal fenômeno) e doenças hepato-renais (patologias graves caracterizadas pela rápida deterioração da função renal por conta de cirrose ou insuficiência hepática fulminante);
  • Redução do débito cardíaco: Complicação de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão pulmonar e infarto agudo do miocárdio;
  • Alterações na autorregulação: Medicamentos como AINES (anti-inflamatórios não esteroidais), IECA (inibidor da enzima conversora de angiotensina) e BRA (bloqueador do receptor de angiotensina) atuam interferindo na hemodinâmica renal. Esses medicamentos inibem a produção e/ou ação de mediadores, como prostaglandinas (provoca vasodilatação arterial renal) e angiotensina II (provoca vasoconstrição arterial renal), que auxiliam no aumento de pressão por conta do aumento na TFG;
  • O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) consiste num sistema regulador de feedback formado por um conjunto de eventos fisiológicos a fim de regular a pressão arterial. Até certo ponto, ele consegue “dar conta” da hipoperfusão, mas é passível de descompensar.
    O tratamento de IRA vai depender de sua classificação como acima citado, tempo de evolução e gravidade, caso a caso. No entanto, procuramos através do uso de várias medidas não medicamentosas e medicamentosas, inclusive do uso de fitoterápicos (chá verde) comprovadamente eficazes, recuperar a função renal do paciente acometido por esta doença renal.

    Referências
  1. Koh ES, Chung S. Recent Update on Acute Kidney Injury-to-Chronic Kidney Disease Transition. Yonsei Med J. 2024 May;65(5):247-256. doi: 10.3349/ymj.2023.0306.
  2. Albino AH, Zambom FFF, Foresto-Neto O, Oliveira KC, Ávila VF, Arias SCA, Seguro AC, Malheiros DMAC, Camara NOS, Fujihara CK, Zatz R. Renal Inflammation and Innate Immune Activation Underlie the Transition From Gentamicin-Induced Acute Kidney Injury to Renal Fibrosis. Front Physiol. 2021 Jul 7; 12:606392. doi: 10.3389/fphys.2021.606392. 
  3. Ayusso LL, Girol AP, Ribeiro Souza H, Yoshikawa AH, de Azevedo LR, Carlos CP, Volpini RA, Schor N, Burdmann EA. The anti-inflammatory properties of green tea extract protect against gentamicin-induced kidney injury. Biomed Pharmacother. 2024 Oct;179:117267. doi: 10.1016/j.biopha.2024.117267. 
  4. Kellum JA, Romagnani P, Ashuntantang G, Ronco C, Zarbock A, Anders HJ. Acute kidney injury. Nat Rev Dis Primers. 2021 Jul 15;7(1):52. doi: 10.1038/s41572-021-00284-z).(Peerapornratana S, Manrique-Caballero CL, Gómez H, Kellum JA. Acute kidney injury from sepsis: current concepts, epidemiology, pathophysiology, prevention and treatment. Kidney Int. 2019 Nov;96(5):1083-1099. doi: 10.1016/j.kint.2019.05.026.
  5. Kellum JA, Romagnani P, Ashuntantang G, Ronco C, Zarbock A, Anders HJ. Acute kidney injury. Nat Rev Dis Primers. 2021 Jul 15;7(1):52. doi: 10.1038/s41572-021-00284-z.
  6.  Peerapornratana S, Manrique-Caballero CL, Gómez H, Kellum JA. Acute kidney injury from sepsis: current concepts, epidemiology, pathophysiology, prevention and treatment. Kidney Int. 2019 Nov;96(5):1083-1099. doi: 10.1016/j.kint.2019.05.026.